Três Picos do PNI – 03 de junho de 2018

Cada trilha que realizamos reflete um anseio. Para mim, é a oportunidade de encontro – com o ambiente, com a realidade, comigo mesmo. Percorrer um caminho em meio à densa mata é, assim, uma forma de conectar-me. De fato, o mês de maio fora muito difícil para mim: prazos apertados, ansiedade pelo porvir incerto e, sobretudo, coragem. Eu precisava respirar.

No dia 03 de junho de 2018, tive a oportunidade de fazer a trilha dos Três Picos, na parte baixa do Parque Nacional do Itatiaia, pelo GEAN. Tratava-se de uma atividade duplamente irrecusável. Primeiramente, era a chance de sentir-me novamente integrado, após um mês de muitos desafios. Além disso, era a oportunidade de reencontrar a floresta das partes baixas do Itatiaia, a qual não via desde quando era criança.

Acompanhado pelo guia, Agenor, e de mais dois geanistas, Douglas e Alexandre, percorremos cerca de 6km em mata fechada. O entorno verdejante causava ora uma sensação de conexão e deslumbramento, ora uma leve vertigem, reforçada pelo terreno bastante lodoso e cheio de aclives. Havia também a possibilidade de cruzar com algum animal silvestre de médio porte, como queixadas e macacos, ou até mesmo – quem sabe? – com alguma onça. Infelizmente, contudo, não tivemos essa sorte. Para não dizer que a natureza não foi gentil, verdade seja dita: fomos agraciados pelo canto dos mais diversos pássaros. O guia, transparecendo sua sensibilidade e paixão pelas aves, estava sempre atento e a postos. Com a destreza de um ornitólogo, era capaz de identificar o artista pela sua melodia, e rapidamente sacava sua câmera fotográfica à procura do melhor enquadramento. Não sem ironia, nossos músicos eram arredios à fama, e partiam em revoada na iminência de serem fotografados, como artífices de um concerto anônimo.

Faltando apenas um terço do percurso para chegar ao cume e já exauridos pelo cansaço, deparamo-nos com um platô de rocha, ricocheteado por uma cachoeira de águas gélidas e límpidas. É a deixa para pararmos, respirar profundamente o ar frio e doce da montanha verde e recuperar o fôlego. Sossego.

O último trecho já trazia as pistas de que a trilha estava se aproximando de seu fim. O terreno estreitava-se, tomando a forma de uma crista; as árvores-de-troncos-espessos e o torreame de palmeiras juçara vão gradualmente dando lugar a vegetações arbustivas e árvores-de-trocos-mais-finos. Já era visível o último lance que deveríamos galgar, um pedregulho de grande altitude e descoberto. Nesse momento, o corpo, que estivera na maior parte do tempo teso e alerta, começa a distrair-se, pressagiando o relaxamento e o êxtase que o esperam.

Cume. Estar no topo é uma espécie de reencontro. Eis o paradoxo da Montanha: para integrar-se é preciso distanciar-se, subir a determinada altura para se dar conta de que, lá de cima, a humanidade é apenas um risco, um traço, um resquício… Paz. Costumo dizer que o silêncio é um artigo de luxo, seja por causa do manicômio sonoro que a vida urbana se tornou, seja pela tendência absolutista de emitir opiniões e julgamentos alheios… Contentamento. Nada mais importa, é como se presenciássemos um presente perpétuo… Sobre o rochedo quente, durmo. Por um breve instante não tão breve, retomo as energias. É hora de voltar. A quietude do entorno é rompida pelos rasantes estridentes dos urubus em dança – acaso nos viam como comida? – e também pelo ronco do aventureiro mais fatigado.

A volta foi ansiosa. Dizem que o retorno é perigoso, que o corpo pisa em falso, cambaleia, que o cérebro engana. É preciso cautela. A gravidade até ajuda nas descidas, mas cobra o seu preço. Os joelhos doem e levamos tombos na lama. O céu enegrecia, tornava-se sorumbático. A previsão era de chuva mais tarde. Eu já ansiava pelo banho quente, o café na xícara e a rede de casa.
O concerto anônimo que nos recepcionou agora se despede.

por: Edmar Machado Braga Filho, sócio nº 1006.